terça-feira, 28 de agosto de 2012

O tempo e as palmeiras

Relógio do D´Orsay, que insiste em discordar do meu "biológico"


Vida, esta arte do timing. Quem controla o próprio tempo tem a vida nas mãos. Mas existe gente realmente capaz disso? Me pergunto pois ando um tanto assombrada com a constatação de que o tempo pode ser bem mais do que essa banal referência cronológica medida por ponteiros embalados em tique-taques. 

Já lhe disseram que “para as almas o tempo é só um detalhe”? Pois é...a mim sim... E eu que já acreditava nisso como verdade, me vejo cada vez mais operante na medida cronológica do amor, se é que isso existe. Se não existe, acabou de ser inventada. A absurda dificuldade de me adaptar ao fuso horário europeu foi substituída pela aceitação de que estou conectada não às horas impostas pelo vil relógio nem ao horário solar, e sim sintonizada ao amor. E por amor leia-se tudo o que faz o coração bater, a mente se elevar: amigos, família, animais de estimação, e sim, o amor romântico. 

Ok portanto só ter sono às cinco da manhã quando se está em Paris: seu mais profundo subconsciente tem certeza de que acabaram de soar as doze badaladas da meia-noite. Ok também acordar à uma da tarde, o corpo diz alegre e sem nenhuma vergonha “Bongiorno principessa, são oito da manhã!”. E sigo assim despudoradamente vivendo em outro tempo, no fuso horário de onde estão meus amores. Minhas origens, meus prazeres, minhas dores, minhas doces lembranças de um passado recente, minhas esperanças de um futuro (em berço) esplêndido. Ignoro por completo as horas propostas pelo nascer e pôr do sol, uma quimera, uma bobagem. Meu sol está cinco horas atrás, em outro meridiano. Ao tomar o metrô sempre escolho sem querer um banco de costas para onde o trem está indo. E viajo assim ao contrário, satisfazendo mesmo que num estúpido faz de conta a mensagem do inconsciente de voltar alguns meridianos atrás para alcançar de novo o lar. 

E com tanta saudade, esta vontade de se estar em algum outro lugar (que bela palavra, obrigada, Portugal), impossível não lembrar-se do ufanismo poético  de “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá. ...” A grande verdade, meu caro, é que não são as palmeiras o cerne da questão. Pelo menos não a mim. O Brasil, este país geograficamente abençoado, de fato inspira suspiros (e inveja) ao exibir sem decoro esses milhares de quilômetros de costa litorânea ensolarada. Quem consegue não lembrar de palmeiras com tal visão? Mas o que não se vê nos mapas nem em satélites é o que mais assombra. Como as pessoas brilham. Brasileiros, estes seres portadoras todos de uma luz que não se vê em nenhum outro povo que caminhe sobre a terra. 

Minha canção do exílio, portanto, feita de estrofes ritmadas em um fuso horário perdido no tempo e no espaço e cadenciadas em horas mal dormidas, seria mais ou menos assim... Minha terra tem corações que sorriem. Os sorrisos que aqui se abrem não são belos e sinceros como os de lá. E, se de algo serve tudo isso, é para concluir que sábios são os sabiás que sabem gorjear. 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Homens das letras e homens de ação

"luz, câmeras..." 


Incrível como estar longe do que nos é familiar desperta uma série de insights e descobertas: sobre a vida, as pessoas, os relacionamentos. Tantas são minhas novas percepções recém-adquiridas que tenho até uma listinha de textos a desenvolver com tais visões. Porque para mim a melhor maneira de destrinchar um pensamento é escrever sobre ele. Você talvez prefira levar o tema à mesa de bar e argumentar sobre ele entre um chopp e outro. Participo, certamente. Mas raramente serei eu a propor a pauta. Quando um assunto verdadeiramente me desperta eu o escrevo. Resumindo, sou das letras. Também com os sentimentos. Despejo saudades, lembranças e anseios em um papel em branco como ninguém. Acho lindas as cartas de amor...

Refletindo sobre isso me dei conta de que em relacionamentos amorosos o mundo se divide em homens das letras e homens de ação. Os homens das letras são aqueles que compartilham dessa familiaridade com o universo em prosa, em verso, dividido em parágrafos, embalado por vírgulas. Abusam do charme em flertes escritos, paquera em caracteres, a tentativa da conquista à distância. Verdadeiros sedutores: são elegantes, cultos, te leem nas entrelinhas do que você mesma disse para te surpreender em uma próxima mensagem. Encantadores. Exemplares em extinção e ótimos namorados à distância, tem o poder de cultivar o interesse mesmo de longe.

E há os homens de ação. Do real, do tempo presente. É daquele que certamente vai tentar te beijar no primeiro date e ai de você se não ficar bem esperta com a continuação dos acontecimentos, porque com ele “apitou, tá valendo” e todo jogo vale campeonato. Ao contrário do homem das letras, os de ação não toleram bem a ausência, não entendem o porquê da troca contínua de letrinhas miúdas digitadas em uma tela touch screen. O touch deles é outro. Na linguagem dos gays (amo que eles eles têm expressões para quase tudo que concerne relacionamentos) ele é um “boy chucro”. Ou um “boy bruto”. Subcategoria rara dentre a espécie (também rara) dos “boy magia”. Não é pós-graduado em Romance pela Sorbonne, mas se você tiver sorte de ser sua eleita, nos braços dele se sentirá protegida e amada em qualquer circunstância. Daquele homem bem resolvido, bem sucedido e exatamente por isso bem ocupado, não te manda mensagens à toa. Quando manda é para falar que “você faz falta”. Sinta-se lisonjeada. Parar a vida real para se conectar a uma forma de virtualidade e escrever que você faz falta... é porque você de fato faz. E um simples “te adoro, queria você aqui comigo” te faz suspirar mais do que a tentativa muitíssimo bem articulada de flerte virtual, porque evoca o momento real em que vocês estiveram juntos.

No mundo deles, quando maduros, um casado tem mais status do que o inveterado solteirão boêmio, figura tão admirada dentre intelectuais letrados. Para ele o ter sempre com quem compartilhar alegrias e dores, a feliz segurança da sempre presença e o comprometimento com uma vida a dois (e no futuro próximo porque não a três, quatro... sim, um homem de ação pensa em herdeiros), tem mais valia do que o sonho de uma liberdade total e sem amarras, a possibilidade de mil viagens, mil conquistas. Ele não seduz por esporte, hobbie ou diversão. Isso ele deixa para os homens das letras, que o fazem bem.

O homem de ação é um homem de presença, para quem apenas o olhar, o toque e o real importam. Um homem que não tem ciúmes de redes sociais. Até se incomoda em saber que sua namorada dependente midiática possa ser paquerada quando imersa no submundo da virtualidade, mas não se preocupa. Porque sabe bem a diferença entre o virtual e o aqui agora, tempo verbal que ele conjuga com maestria. Tudo isso sem soberba, sem arrogância. Pura e simples confiança. A calma da certeza de que o que ele oferece não existe em mundindos paralelos do cyberespaço. Só existe na vida real. No calor do encontro, no toque da pele. No frigir dos ovos, ou no somar das sílabas, o “você faz falta” vindo de um homem de ação é mais embebido em poesia e romantismo do que um poema de Drummond, pois te faz realizar que quem faz falta na verdade é ele. Afinal ninguém te carrega no colo, te faz massagem nos pés ou te faz sentir a mais amada das mulheres com um olhar ao juntar letrinhas.

Letras são importantes, o sonho é importante. Mas o real também é. Um casal perfeito é composto por um ser de letras e um ser de ação. Como fogo e gasolina é a receita de combustão. Na verdade fazer rima não era intenção. Mas se assim quis o acaso, porque não? São dessas coisas que acontecem aos seres das letras, atingir vez por outra a iluminação. No meio de pensamentos tão mil, tão múltiplos, sempre em turbilhão... aquele momento sublime em que alcançamos a dádiva de, ao escrever, escutar o coração. 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Notícias versus Literatura





       Um pensamento embalado em poesia musical que me é muito recorrente: “O sol na banca de revista... me enche de alegria e preguiça. Quem lê tanta notícia?” 

A preguiça caetaneada da abundância de informação impressa em 1967 viraria verdadeiro pânico no contexto digital atual, onde além das centenas de jornais e revistas ainda há um sem número de portais, sites, blogs. Me pergunto de fato o porquê de tudo aquilo, mesmo sabendo que há quem leia, que (por mais incrível que possa parecer) para todo tipo de site e blog há público. Mas nunca me vem tal pensamento em uma enorme livraria ou biblioteca. Com títulos do mundo inteiro, autores dos mais diversos estilos de narrativas, podem ser andares altíssimos tomados de livros até o teto. Sinto uma alegria enorme de estar ali em meio a tanta história, tantas possibilidades de uma leitura prazeirosa, um deleite antecipado só pela ideia de poder degustar algumas daquelas páginas. E aí está a grande diferença. As notícias, artigos e matérias de jornais, revistas e sites, periódicos de modo geral, de cunho jornalístico, documental, são efêmeras, um tanto quanto descartáveis. A notícia de amanhã substituirá a de hoje, assim como a de hoje substituiu a de ontem, que já está embrulhando peixes na feira, num ciclo sem fim e frenético, ritmo que a mim,  produtora de palavras, me desinteressa, me desencanta. Já os livros são perenes, perpétuos. Por isso a cada dia me vejo menos jornalista e mais escritora. Talvez não romancista, mas observadora de costumes e comportamentos, uma cronista do cotidiano, uma articulista de bastidores, porém não mais repórter, desprovida de opinião e imparcial.  

Escrever pensamentos autorais em blog e compartilhá-los é um pouco como aquela deliciosa conversa despretensiosa entre amigos, em que (guardadas as proporções tempo e espaço) um assunto puxa o outro de forma natural e espontânea. No post sobre as cartas, citei “O Rio é tão longe”, cartas de Otto Lara Resende ao amigo Fernando Sabino. O texto foi bem comentado por amigos nas redes sociais e três deles, inspirados pelos temas amor ou “correspondências que viraram obras literárias” e sabendo de meu amor pelos livros, me recomendaram novos títulos dentro do mesmo contexto. “Fragmentos de um discurso amoroso”, de Roland Barthes, “Minhas queridas”, cartas de Clarice Lispector às irmãs e “Cartas perto do coração”, correspondências trocadas entre Fernando Sabino e Clarice Lispector por mais de 20 anos de amizade. Amizade esta que, dizem os mais conhecedores dos grandes nomes de nossa literatura, era na verdade um grande amor, que não se concretizou por circunstâncias mil da vida de ambos. 



Por todos me interessei, mas deste último, talvez atraída pela história de amor frustrado, fui buscar  alguns trechos. Os lendo me dei conta de que as cartas relatam acontecimentos, portanto fatos, notícias. Mas notícias de sentimentos, percepções, que se compartilha com os amigos ou amor, viram de alguma forma uma realidade romanceada, literatura em potencial. Me identifiquei em especial com um trechinho de uma carta de Lispector ao amigo depois de uma viagem à França em companhia do marido diplomata. Tive um verdadeiro cansaço em Paris de gente inteligente. Não se pode ir a um teatro sem precisar dizer se gostou ou não, e porque sim e porque não.”

Clarice, minha querida... sei bem...



Aos franceses, ainda mais parisienses, sobra opinião, são abundantes os argumentos, é necessária a constante troca de ideias. Isso é intelectualmente instigante mas também cansativo.  E é algo que identifiquei como fato mesmo e vem desde a formação da cidade, a quem interessar possa um livro que traz muito sobre o tema é "A história secreta de Paris", do historiador Andrew Hussey

E voilá um post criado sob o efeito enebriante e perturbador do verão europeu (pior do que o nordestino, eu vos garanto), sobre tudo e sobre o nada. Cartas, amores, livros, Paris, meu desencanto com a mídia e minha vontade sonhadora de realidades mais romanceadas. 


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O estilo das parisienses



Existe toda uma mítica sobre a elegância das mulheres parisienses, coisa que estando em loco é possível reparar que não se trata de lenda, e sim de uma realidade, porém muito mais palpável e acessível do que se imagina. A começar pelo cuidado com o corpo. 

Como bem disse Karl Lagerfeld: “Elegance is a physical quality. If a woman doesn't have it naked, she'll never have it clothed.”  Frase muito propícia às francesas, que, desnecessário dizer, são magras. Não chegam a ser anoréxicas, mas nada têm em excesso. Isso se deve não apenas à cultura alimentar, que tem verdadeiro pavor de junk food e tranqueiras express, mas também ao estilo de vida: os prédios de até seis andares sem elevadores, o hábito e necessidade de muito se caminhar pela cidade...

O conceito de elegância aqui caminha junto com conforto. Um salto 15 pode ser sexy, mas se a dama anda cambaleante e trôpega como se equilibrando-se em um andaime em movimento (fenômeno muito visto em Londres, apenas mais um pequeno dado que aumenta o completo desinteresse e desprezo dos gauleses pelos britânicos), o potencialmente belo vira ridículo. E com isso eles são críticos. Extremamente críticos. Aqui ter o mínimo de classe para comer, caminhar, falar, conversar, não é apenas opção, é obrigação. As madames e mademoiselles que usam salto marcham rapidamente como se descalças estivessem, tamanha a desenvoltura que tem em caminhar na ponta dos pés, verdadeiras primeiras bailarinas do Opera.

Com relação às compras, quantidade não é mérito algum. O que importa é qualidade, durabilidade e beleza de uma peça. Ao invés de dez sapatilhas Made in China, cada uma de uma cor, de 20 euros (que sim, existem aos montes por aqui), as verdadeiras parisienses preferem esperar, economizar, e arrematar apenas uma, de cor neutra, preta ou nude, da Repetto, por 200 euros. Por que sabem que a maison é uma garantia. Que se o solado soltar ela tem a quem reclamar, se o laço se desprender, ela tem quem conserte. E de graça, pois as tradicionais casas de moda ou de calçados (como é o caso da centenária Repetto) tem extrema preocupação em manter seus clientes satisfeitos para os cultivarem fiéis à marca e preservarem suas reputações de qualidade e bom atendimento. O mesmo vale para bolsas e roupas de modo geral. Aqui a grande maioria das residências tem espaço limitado, portanto, não há sentido (nem closet suficiente) para quinze escarpins, vinte sapatilhas, oito botas, dezessete camisas de seda, trinta e nove calças jeans... Simplesmente não. O guarda-roupa é reduzido ao seu mínimo indispensável com pequenos lapsos de indulgência, em geral nos acessórios. E é aí, exatamente aí, que a elegância aparece: nos básicos fundamentais, com toques mínimos de charme. 

A francesa sabe o valor dos clássicos e o que lhe cai bem, portanto não adere a modismos e tendências bizarras. As saias mullet, por exemplo, encalham nas araras de todas as lojas, nem mesmo na liquidação são vendidas. “Porque essa coisa assimétrica horrorosa que não valoriza meu corpo se uma saia lápis ou godê é tão mais feminina, atraente e atemporal?”, devem pensar. 

Por portarem só neutros, básicos com raras interferências, estão sempre prontas e não sofrem da dúvida do que o "orna" com o quê, drama tão comum entre as latinas. A ilustradora e top blogueira Garance Doré definiu com perfeição: "A parisian girl doesn´t take hours to get ready. She´s always to the point". E perfumadas. Algumas até sem muita noção do clima, usam adocicados e amadeirados neste verão cruel que tem feito, mas de toda maneira, um dado interessante: usam o perfume como um acessório de moda. Sempre. 



Mas como atingir esse clímax de praticidade e elegância do vestir parisiense? Primeiro de tudo: desapego à quantidade e variedade. Foco no que realmente é essencial, no que será usado com frequência e das mais variadas formas. Tentando entrar nessa onda, me propus um exercício que é sempre interessante (e difícil) quando o assunto é moda: fazer uma boa mala. Se você pretende vir à Paris em breve, essa listinha será de grande ajuda, eu garanto. 

Voilá, portanto, o guarda-roupa básico de uma verdadeira parisiense:

- Calça skinny jeans
- Calça skinny preta
- Camisa branca
- Camisa jeans
- Camiseta mariniére (listrada estilo navy)
- 1 Camiseta branca, 1 camiseta preta
- Saia preta média (lápis ou plissada godê)
- Saia preta longa
- 2 blusinhas leves de seda para noite
- 2 vestidos de noite
- 1 vestido preto (o universal LBD, little black dress)
- 2 vestidos florais ou estampados para o verão
- 1 blazer preto, 1 blazer nude/camelo/bege
- 1 cardigan preto, 1 cardigan nude/camelo/bege
- 1 escarpin preto e 1 escarpin nude
- 1 sapatilha preta, 1 sapatilha nude
- 1 bolsa preta, 1 bolsa nude
-Para o inverno (longe de ser o caso no momento):
um casaco pesado preto, (só para a sobrevivência nas ruas, já que em todas as casas e estabelecimentos há calefação) e uma boa bota preta.

E com isso dá pra fazer variações mil, looks sempre diferentes e charmosos!

Acessórios são daqueles que não se trocam com frequência, sempre os mesmos, por isso devem ser leves, discretos e de metal nobre: brinco de pérolas, colar de ouro delicado com pingente idem, anéis finos e pequenos. Dois cintos e dois lenços ou echarpes, para o cabelo, pescoço ou mesmo para amarrar na bolsa e pronto, já deu cor e estilo ao visual. 

Ah, se eu soubesse (ou me lembrasse, na verdade) disso antes de ter feito minha mala... 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Brasil está na moda

Capa de um especial do Le Monde sobre o Brasil de 2010. "Um gigante se eleva"


É sempre muito interessante notar qual visão um povo estrangeiro tem de nós brasileiros, principalmente quando estamos no território deles. Um sentimento parecido com o de chegar em uma festa, descobrir no hall que estão falando de você e por isso permanecer lá quietinha e anônima alguns segundos para ouvir clandestinamente qual opinião a seu respeito.

A primeira vez em que estive na França, em 2001, Brasil era "o maior e mais populoso país da América Latina cuja capital é Brasília, uma moderna cidade planejada de ares futuristas projetada pelo grande arquiteto Oscar Niemeyer..." e por aí vai (sim, eles sabem tudo isso, franceses não são americanos, graças ao Bon Dieu), mas ainda assim extremamente exótico, distante e desconhecido. Hoje, mais de dez anos depois, o som da palavra “Brésil” desperta um sorriso ainda curioso, porém muito mais encantado e cheio de admiração. Não mais apenas pelo futebol ou pelo samba e Carnaval. Todos (unanimidade) amam a figura do Lula, viram nele o personagem do Brasil pobre e marginal que chegou ao poder (o que faz vibrar o espírito revolucionário e socialista de qualquer francês) sabem que elegemos uma mulher (opa, outro ponto para nós), que bem ou mal segue o “legado” do governo anterior* , nos vêem como economia pulsante, pungente, como um país em franco desenvolvimento (ao meu ver infelizmente apenas econômico e não educacional/cultural, mas aí meu bem, papo longo), sempre ensolarado e sorridente (já começa a mítica) e lançador de modismos e tendências. E neste último quesito estão certos. O Brasil está mesmo em voga.

As tradicionais espadrilles (alpargatas de tecido e solado de corda) são os calçados oficiais do verão europeu, mas se você é verdadeiramente cool andará por Paris ou St. Trop com um belo par de... Havaianas. Oui. A marca, que não é boba nem nada, abriu inclusive tem uma loja no... Marais. O arrondissement mais fervido da ville.

Todo salon de coiffeur que se preze tem no menu da vitrine dois itens obrigatórios: Lissage brésilien - Sim, acreditem se quiserem, nossa escova progressiva alisando geral a juba da moçada enfants de la Patrie... E Maillot brésilien - mais conhecida na Califa, NYC e adjacências como brazilian wax, aquela “virilha cavada” ixxperrtha que dez anos atrás só a Marlene da Silva, top depiladora do salão do seu bairro sabia fazer. Pois bem, já dominou geral. Todas querem ser brasileiras. O que ainda não se popularizou, malheuresement, é a bendita abençoada manicure brasileira (aquela que tira as cutículas, lixa e esmalta com perfeição), mas nos salões mais branchées, os mais sofisticados e caros, as manicures são brasileiras. Talvez portanto seja só uma questão de tempo para a Manicure Bresiliénne virar febre.

Fui com um grupo de amigos e amigas franceses em um pub de Saint Germain, na rue des Princesses, coração do Quartier Latin. Voilá, um calor dos infernos dentro daquele lugar e eles adooramm, "uhuul, verão, vamos suar". E eu morrendo, pedi ao barman “une boteille d´eau minerale, si vous plait”. (Se pedir une verre d´eau ou carrafe d´eau te dão água torneiral mesmo, que matar não mata, mas ainda estou estudando os efeitos, rs) Pois bem, um segundo depois, a música do bar mudou. O que começou a tocar? “ERA UM MENINO TOCADÔ QUE DISPENSÔ O AGOGÔ E O TAMBÔ PRA TOCÁ LATÁÁÁ”, Daniela Mercury berrando lá nos idos de 1990 e tralálá, estão lembrados? 

Em momento algum ninguém perguntou minha nacionalidade. Mas pelo “accent”  fui identificada e já imediatamente “premiada”. Ou punida, entendam como quiserem. O que se seguiu foi Vanessa da Mata em dueto com Ben Harper em “Boa Sorte” e de volta à programação normal, porém sempre com um pé na latinidade, o barman que era também o DJ (multitarefas, a gente vê por aqui. Reflexos da crise, talvez?) mandou ver com Shakira e arrematou com salsa. É, da salsa não precisava. Vi que era hora de partir.

Mas a homenagem musical do pub não foi de todo ruim e isso só fui notar no dia seguinte, quando ouvi no coiffeur o rádio a toda: TCHE TCHERERE TCHE TCHE TCHE TCHE TCHE TCHE, GUSTAVO LIMA E VOCÊ! Depois da semi síncope de vergonha, a bichinha cabelereira de Avignon (que usava lentes de contato coloridas, la pauvre) me perguntou porque eu não gostava da música... se todo mundo adorava... Me perguntou o que quer dizer a letra... (QUE LETRA?) e também quis saber de Michel Teló, obviamente. Ficou chocadíssima em saber que o significado de "Ah, se eu te pego" (essa pelo menos tem algum, por mais pífio que seja) é “Ah, si jê t´attrape”... Essa era uma fama que eu preferia que o Brasil não tivesse... ou se tivesse que fossem por outros méritos musicais, mas enfim, como eles não compreendem a letra, talvez não apreciariam tanto um samba da nova geração como Roberta Sá ou qualquer coisa similar de mais requintado. É música para as massas, o que importa é o ritmo, e esse pegou. E é... é... é do Brasil, sil, sil. Por bem ou por mal, estamos na moda. Aceite.

Nas rodas mais cultas, a literatura é sempre tema. Aí nos saímos com mais classe. Citam Paulo Coelho, mas a estrela mesmo é Jorge Amado. "Que sorte você tem de poder ler Jorge Amado no original, em português, sem intervenção de tradutores... E saber de tudo aquilo que ele fala, da Bahia, dos temperos, das frutas, os cheiros..." Quer saber? Tenho sorte mesmo. <3>

*Apenas reprodução do discurso que escuto sobre a visão deles da nossa política. Longe de mim entrar nesse mérito. Sério.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Magia das Cartas (em especial as de Amor)

Postal de Picasso à Gertrude Stein, 1915 (bem "Meia Noite em Paris" rs). Acrescento que como calígrafo Picasso era apenas um excelente artista, pois de todo o conteúdo o pouco compreensível é:
"Mais non Gertrude il n´y pas de moments(?) et je n´ai ou encore qu´en mastigue qui, (....) tué d´ailleurs. Souviez/Souriez (?) si le coeur vous/nous (...) oui. Mille bonne chose mille Fokls (folks, peut-être?) de nous dens t´a vouy(?) Votre Picasso."

Tudo o que está em itálico ou que falta entre parentêses é o que não entendi, partes necessárias pro contexto... Lanço aqui portanto o primeiro concurso cultural do blog, mais de quatro anos depois de sua estréia: Se alguém entende o francês e me fizer uma tradução razoável, ganha uma semana de estadia em Paris. No sofá. (Rs)

Mesmo que superconectada a um sem número de redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram, Pinterest, Blog, Tumblr) ainda escrevo muito em papel, talvez mais do que deveria. Junto com a alfabetização, ganhei (acreditem se quiserem) um pequeno calo no dedo médio da mão direita, que persiste até hoje, um "troféu" às avessas conquistado por tanto escrever. Para o trabalho, necessário que seja direto no teclado do computador, para redigir, pesquisar dados, inserir ou cortar, editar e enviar. Mas quando se trata de elucubrações pessoais, textos de cunho perigosamente autobiográficos, devaneios, exorcismos de angústias ou até mesmo lista de afazeres do dia, prefiro mesmo papel e caneta. E quando o assunto é sentimento... Nada melhor do que a boa e velha carta. Existe telefonema, e-mail, whatsapp, skype... Mas nenhum deles tem o toque. O papel que você tocou, pegou, escreveu, dobrou, colocou no envelope e selou com um beijo é o mesmíssimo papel que vai chegar às mãos do destinatário da sua mensagem. É de alguma forma uma maneira de tocar de verdade a pessoa, um presente material, físico, que se pode ler, reler, colocar embaixo do travesseiro, usar como marcador de livro, colocar dentro da bolsa...
Ainda que mantendo o hábito de escrever em papel, bloquinhos, moleskines, agenda e afins, estava afastada da magia das cartas desde que me deparei com “O Rio é tão Longe”, de Otto Lara Resende (Ed. Cia das Letras), uma apaixonante coletânea de suas cartas ao amigo de infância e também escritor, Fernando Sabino. Mesmo morando em cidades e às vezes países diferentes por boa parte de suas vidas, mantiveram a amizade por meio das missivas constantes de Otto, um inveterado epístola. A mineirice das narrativas, a riqueza de detalhes do dia-a-dia contado ao amigo, as aflições, as alegrias, os planos... Dei boas risadas e derramei algumas lágrimas com o livro, e isso de alguma forma me fez relembrar o quanto é fantástico escrever e receber cartas.

Me arrependo de ter rasgado em milhares de pequenos pedaços cartas lindas do meu primeiro namorado. Eram provas de um amor que pode não ter se concretizado em sua plenitude, mas que em seu momento foi real. Da humilde sabedoria balzaquiana dos meus trinta anos, meu conselho às jovens senhoritas: não se desfaçam das cartas de amor. Simplesmente não. Ok rasgar as fotos, jogar fora presentes e bloquear o dito cujo no facebook. Mas mantenha as cartas. Há nelas algo de mágico que transcende o tempo e se destruídas forem, podem despertar uma maldição. Como quebrar um espelho pode trazer sete anos de má sorte (é, eu não falo nem escrevo tal palavra), desmaterializar uma carta de amor tem efeito similar. Se vos consola saber, faz exatos sete anos que cometi tal imperdoável engano. E enfim reencontrei um novo amor desses merecedores de receber cartas escritas à mão e enviadas pelas sensacionais instituições chamadas Correios. Coincidência? Tirem suas próprias conclusões.

Longe de casa, a carta ganha ainda mais importância. É preciso escrever, endereçar, selar, ir até o Bureau de Poste e enviar. Não é simples, não é moderno, não é prático. Mas como disse Pessoa, “Tudo vale a pena...”. E sim, obrigada Deus, minh´alma é grande. O inconveniente, e ao mesmo tempo belo, das missivas postais além-mar é que quando chegam ao destinatário, as ideias ali contidas podem já ter se esvanecido, alguns sentimentos se perdido, algumas dúvidas solucionadas. Cartas são sólidas, eternas, e exigem o mesmo grau de comprometimento. Sentimentos escritos em cartas duram mais tempo, pois não voam no cyberespaço. Vão por mar, pelo ar, pela terra e pelo homem. Viajam de navio, avião, caminhão e na bolsa do carteiro até chegar embaixo da sua porta. O papel eu posso beijar com meu batom vermelho que você gosta, mas também não gosta porque não pode me beijar. E dentro do envelope posso colocar uma pétala de rosa do verão parisiense, que com sorte vai levar um pouco do mesmo aroma que eu respirei aqui para que você sentir aí.

Paris, aqui me tens de regresso.


Há exatos seis dias, fui recepcionada por uma Paris que exibia sem pudor sua beleza no auge do verão. O clima quente, com sol e céu azul. A cidade toda verdinha e florida como eu há muito não via. Quinta-feira à noite, um dia depois da minha chegada, fui jantar com duas amigas que moram na cidade. O restaurante foi o Ma Bourgogne, especializado na culinária da região de Borgonha e localizado em frente a Place des Vosges, coração do Marais. Fui caminhando do meu apartamento, tranquilamente... Quase nove horas da noite, horário marcado do rendez-vous (que quer dizer apenas encontro, sem qualquer conotação secundária como criou-se no Brasil), ainda fazia dia claro e cheguei à Praça, que estava lotada de gente sentada na grama, fazendo piquenique, tomando vinho, comendo, bebendo, conversando e se divertindo. Cenário muito incomum aos olhos de uma paulistana. Me digam, onde, quando que isso seria possível em São Paulo? Se é possível e vocês estão indo sem me convidar, já adianto que ficarei chateadíssima.

Antes que possa ser mal compreendida, quero deixar claro que minha paixão por esta cidade não se trata em absoluto de uma visão deslumbrada de “colonizada” que menospreza suas raízes e só admira o que vem de fora, os costumes do Velho Mundo, ou qualquer coisa que o valha. Nada disso. Estar longe do Brasil me faz ver com muita clareza tudo que temos de bom, tudo o que pessoalmente me faz falta de fato, me faz realizar que não adianta fugir. Brasil é o meu país, eu amo meu país, por mais que ele sofra de tantos males (má admistração pública, corrupção, impostos abusivos, precariedade ou inexistência de serviços básicos como saúde e educação) que não vejo perspectivas de mudanças concretas a curto ou médio prazo e que tampouco estão ao meu alcance mudar de imediato. Mas até mesmo por isso minha necessidade de estar em contato com coisas que eu admiro em outros países, principalmente aqui, e que aí sim tenho a possibilidade de mudar na minha vida real cotidiana brasileira. O estilo de vida. Disso eles entendem bem. E não se trata de classe social. Então vamos ao que interessa: porque amo tanto Paris?

Ao meu ver os franceses tem o “savoir faire de vivre”: sabem viver, e bem. Os vinhos, os queijos, a cidade projetada para se caminhar, os bistrôs, rotisseries, pâtisseries, boulangeries, as centenas de museus, galerias, cinemas, teatros, opéras, bares, a vida acontece dehors, na rua, ao ar livre, sem medo de carros blindados, sem pânico de guarda-costas. O bonjour bem cantado e forçado dos atendentes em todos os pontos de comércio. O respeito que se tem pela arte, pela cultura: literatura, dança, música, artes plásticas... Todas as manifestações de comunicação humana tem espaço. Paris é uma cidade feita por pessoas, para as pessoas e que gosta de pessoas. Uma cidade que gosta de gente, de ideias, de sentimentos. Não apenas de carros, edifícios enormes, construções futuristas ou megalômanas. Onde o respeito e a admiração vem pelo que você é, pelo que você faz, produz, cria, sabe, compartilha. E não apenas pelo que você tem. Esse distanciamento, um certo desapego do tão somente material me encanta. É claro que existe elite, mas uma elite que não ostenta, pelo contrário, disfarça. Ainda se sente latente os ideais da Revolução Francesa: foi o povo trabalhador, os operários, os sans culotte, os miseráveis que construíram a nação. Aqui não há orgulho algum em ser nobre ou burguês. Se você for, esconda o quanto puder. Um filho da mais alta burguesia foge do título de burguês como o diabo da cruz e vai buscar a vida boêmia como qualquer operário, se camuflando neste meio como um deles. Assim nasceu o bo.bo, o bourgeois bohéme, o rico que finge não ser, por que ser do povo tem bem mais graça. O rapaz ou garota que rasga e suja propositadamente as roupas caras para entrar em uma taverna popular sem ser insultado, integrar-se ao ambiente e poder se divertir como todos.

Aqui uma jovem senhora pode ser esposa de um milionário de fortuna antiga ou nova, ela mesma também uma profissional bem sucedida, mas não abre mão de comprar ela mesma frutas, legumes, saladas no marché do seu quartier e cozinhar aos finais de semana. Porque tudo isso são prazeres da vida dos quais ela não quer se privar: sentir o aroma e textura das frutas frescas e coloridas, comprar flores do campo para a casa, alimentar ela mesma com comida e com afeto o marido e os filhos. Qualquer disparidade com a realidade da maior cidade brasileira não é mera coincidência. Não quero ser polêmica, mas o que tenho visto com cada vez mais frequência nas nossas capitais é uma “vida” onde o que importa é imagem e status, onde uma burguesia intelectualmente nula, vazia de ideias e pensamentos festeja a abertura de um novo complexo de compras repleto de “marcas internacionais de luxo”. Como toda mulher que gosta de moda, também amo tais marcas e que bom para nossa economia que elas estão desembarcando entusiasmadíssimas em solo brasileiro. Mas mal sabem algumas lulus o grande luxo que é poder caminhar a pé nas ruas da cidade onde vive (coisa cada vez mais difícil em SP, desde sempre impossível em Brasília e por aí vai) comprar uma baguette, fromage e une boitelle de vin e sentar com as amigas no parque do seu arrondissent (porque todos os bairros tem um parque, é claro, dado também super parecido com nossas metrópoles) para um piquenique. Ler um livro degustando um rosé sentada na mesa da calçada de um bistrô...e tantas outras pequenas coisas.

Paris é uma cidade que aprecia histórias, fatos, relatos, que pensa, debate, discute, argumenta, briga. Por isso pode parecer às vezes demasiado séria, grosseira ou rabugenta. Por ser inteligente. Não aceita e não suporta a ausência de opinião e de posicionamento. Uma das cidades que mais lê no mundo: nos cafés, praças, no metrô, há sempre alguém lendo. Onde intelectuais, artistas, escritores, músicos e boêmios tem mais importância e relevância no cenário social do que mega empresários que têm cifrões nas pupilas. E este post não teria fim se fosse enumerar os lugares, os personagens históricos, todos os mitos e lendas que permeiam esta cidade.

Para resumir: existiria no mundo lugar melhor e mais inspirador para se reinventar do que Paris?