Relógio do D´Orsay, que insiste em discordar do meu "biológico" |
Vida, esta
arte do timing. Quem controla o próprio tempo tem a vida nas mãos. Mas existe
gente realmente capaz disso? Me pergunto pois ando um tanto assombrada com a constatação de que o tempo pode ser bem mais do que essa banal referência cronológica medida por
ponteiros embalados em tique-taques.
Já lhe disseram que “para as almas o tempo
é só um detalhe”? Pois é...a mim sim... E eu que já acreditava nisso como verdade, me
vejo cada vez mais operante na medida cronológica do amor, se é que isso existe. Se não existe, acabou de ser inventada. A absurda
dificuldade de me adaptar ao fuso horário europeu foi substituída pela
aceitação de que estou conectada não às horas impostas pelo vil relógio nem ao horário solar, e sim
sintonizada ao amor. E por amor leia-se tudo o que faz o coração bater, a mente se elevar: amigos, família, animais de estimação, e sim, o amor romântico.
Ok portanto só ter sono às cinco da manhã quando se está em Paris: seu mais profundo subconsciente tem certeza de que acabaram de soar as doze badaladas
da meia-noite. Ok também acordar à uma da tarde, o corpo diz alegre e sem nenhuma
vergonha “Bongiorno principessa, são oito da manhã!”. E sigo assim despudoradamente vivendo em outro tempo, no
fuso horário de onde estão meus amores. Minhas
origens, meus prazeres, minhas dores, minhas doces lembranças de um passado
recente, minhas esperanças de um futuro (em berço) esplêndido. Ignoro por completo as
horas propostas pelo nascer e pôr do sol, uma quimera, uma bobagem. Meu sol
está cinco horas atrás, em outro meridiano. Ao tomar o metrô sempre escolho sem
querer um banco de costas para onde o trem está indo. E viajo assim ao
contrário, satisfazendo mesmo que num estúpido faz de conta a mensagem do inconsciente de voltar alguns meridianos
atrás para alcançar de novo o lar.
E com tanta saudade, esta vontade de se estar em algum outro lugar (que bela palavra, obrigada, Portugal), impossível não lembrar-se do ufanismo poético de “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá. ...” A grande verdade, meu caro, é que não são as palmeiras o cerne da questão. Pelo
menos não a mim. O Brasil, este país geograficamente abençoado, de fato inspira suspiros (e inveja) ao exibir sem decoro esses milhares de quilômetros de costa
litorânea ensolarada. Quem consegue não lembrar de palmeiras com tal visão? Mas o que não
se vê nos mapas nem em satélites é o que mais assombra. Como as pessoas brilham. Brasileiros, estes seres portadoras todos de uma luz que não se vê em nenhum outro povo
que caminhe sobre a terra.
Minha canção do exílio, portanto, feita de estrofes
ritmadas em um fuso horário perdido no tempo e no espaço e cadenciadas em horas mal dormidas, seria mais ou menos assim... Minha terra tem
corações que sorriem. Os sorrisos que aqui se abrem não são belos e sinceros
como os de lá. E, se de algo serve tudo isso, é para concluir que sábios são os sabiás que sabem gorjear.