terça-feira, 7 de agosto de 2012

Paris, aqui me tens de regresso.


Há exatos seis dias, fui recepcionada por uma Paris que exibia sem pudor sua beleza no auge do verão. O clima quente, com sol e céu azul. A cidade toda verdinha e florida como eu há muito não via. Quinta-feira à noite, um dia depois da minha chegada, fui jantar com duas amigas que moram na cidade. O restaurante foi o Ma Bourgogne, especializado na culinária da região de Borgonha e localizado em frente a Place des Vosges, coração do Marais. Fui caminhando do meu apartamento, tranquilamente... Quase nove horas da noite, horário marcado do rendez-vous (que quer dizer apenas encontro, sem qualquer conotação secundária como criou-se no Brasil), ainda fazia dia claro e cheguei à Praça, que estava lotada de gente sentada na grama, fazendo piquenique, tomando vinho, comendo, bebendo, conversando e se divertindo. Cenário muito incomum aos olhos de uma paulistana. Me digam, onde, quando que isso seria possível em São Paulo? Se é possível e vocês estão indo sem me convidar, já adianto que ficarei chateadíssima.

Antes que possa ser mal compreendida, quero deixar claro que minha paixão por esta cidade não se trata em absoluto de uma visão deslumbrada de “colonizada” que menospreza suas raízes e só admira o que vem de fora, os costumes do Velho Mundo, ou qualquer coisa que o valha. Nada disso. Estar longe do Brasil me faz ver com muita clareza tudo que temos de bom, tudo o que pessoalmente me faz falta de fato, me faz realizar que não adianta fugir. Brasil é o meu país, eu amo meu país, por mais que ele sofra de tantos males (má admistração pública, corrupção, impostos abusivos, precariedade ou inexistência de serviços básicos como saúde e educação) que não vejo perspectivas de mudanças concretas a curto ou médio prazo e que tampouco estão ao meu alcance mudar de imediato. Mas até mesmo por isso minha necessidade de estar em contato com coisas que eu admiro em outros países, principalmente aqui, e que aí sim tenho a possibilidade de mudar na minha vida real cotidiana brasileira. O estilo de vida. Disso eles entendem bem. E não se trata de classe social. Então vamos ao que interessa: porque amo tanto Paris?

Ao meu ver os franceses tem o “savoir faire de vivre”: sabem viver, e bem. Os vinhos, os queijos, a cidade projetada para se caminhar, os bistrôs, rotisseries, pâtisseries, boulangeries, as centenas de museus, galerias, cinemas, teatros, opéras, bares, a vida acontece dehors, na rua, ao ar livre, sem medo de carros blindados, sem pânico de guarda-costas. O bonjour bem cantado e forçado dos atendentes em todos os pontos de comércio. O respeito que se tem pela arte, pela cultura: literatura, dança, música, artes plásticas... Todas as manifestações de comunicação humana tem espaço. Paris é uma cidade feita por pessoas, para as pessoas e que gosta de pessoas. Uma cidade que gosta de gente, de ideias, de sentimentos. Não apenas de carros, edifícios enormes, construções futuristas ou megalômanas. Onde o respeito e a admiração vem pelo que você é, pelo que você faz, produz, cria, sabe, compartilha. E não apenas pelo que você tem. Esse distanciamento, um certo desapego do tão somente material me encanta. É claro que existe elite, mas uma elite que não ostenta, pelo contrário, disfarça. Ainda se sente latente os ideais da Revolução Francesa: foi o povo trabalhador, os operários, os sans culotte, os miseráveis que construíram a nação. Aqui não há orgulho algum em ser nobre ou burguês. Se você for, esconda o quanto puder. Um filho da mais alta burguesia foge do título de burguês como o diabo da cruz e vai buscar a vida boêmia como qualquer operário, se camuflando neste meio como um deles. Assim nasceu o bo.bo, o bourgeois bohéme, o rico que finge não ser, por que ser do povo tem bem mais graça. O rapaz ou garota que rasga e suja propositadamente as roupas caras para entrar em uma taverna popular sem ser insultado, integrar-se ao ambiente e poder se divertir como todos.

Aqui uma jovem senhora pode ser esposa de um milionário de fortuna antiga ou nova, ela mesma também uma profissional bem sucedida, mas não abre mão de comprar ela mesma frutas, legumes, saladas no marché do seu quartier e cozinhar aos finais de semana. Porque tudo isso são prazeres da vida dos quais ela não quer se privar: sentir o aroma e textura das frutas frescas e coloridas, comprar flores do campo para a casa, alimentar ela mesma com comida e com afeto o marido e os filhos. Qualquer disparidade com a realidade da maior cidade brasileira não é mera coincidência. Não quero ser polêmica, mas o que tenho visto com cada vez mais frequência nas nossas capitais é uma “vida” onde o que importa é imagem e status, onde uma burguesia intelectualmente nula, vazia de ideias e pensamentos festeja a abertura de um novo complexo de compras repleto de “marcas internacionais de luxo”. Como toda mulher que gosta de moda, também amo tais marcas e que bom para nossa economia que elas estão desembarcando entusiasmadíssimas em solo brasileiro. Mas mal sabem algumas lulus o grande luxo que é poder caminhar a pé nas ruas da cidade onde vive (coisa cada vez mais difícil em SP, desde sempre impossível em Brasília e por aí vai) comprar uma baguette, fromage e une boitelle de vin e sentar com as amigas no parque do seu arrondissent (porque todos os bairros tem um parque, é claro, dado também super parecido com nossas metrópoles) para um piquenique. Ler um livro degustando um rosé sentada na mesa da calçada de um bistrô...e tantas outras pequenas coisas.

Paris é uma cidade que aprecia histórias, fatos, relatos, que pensa, debate, discute, argumenta, briga. Por isso pode parecer às vezes demasiado séria, grosseira ou rabugenta. Por ser inteligente. Não aceita e não suporta a ausência de opinião e de posicionamento. Uma das cidades que mais lê no mundo: nos cafés, praças, no metrô, há sempre alguém lendo. Onde intelectuais, artistas, escritores, músicos e boêmios tem mais importância e relevância no cenário social do que mega empresários que têm cifrões nas pupilas. E este post não teria fim se fosse enumerar os lugares, os personagens históricos, todos os mitos e lendas que permeiam esta cidade.

Para resumir: existiria no mundo lugar melhor e mais inspirador para se reinventar do que Paris?

6 comentários:

Elisenda disse...

Má, amei! Te entendo, te apóio e te dou toda a razão! To quase fazendo as malas para ir curtir Paris também!

Fred disse...

Disse tudo, Marília! Pode parecer arrogante, mas quando temos contato com essa cultura é que vemos o quanto o brasileiro é atrasado nas limitações que ele mesmo se impõe. Bjos

Juliana disse...

Pra mim, tudo o que envolve Paris exerce muito fascínio sobre mim. Livros, filmes, músicas. Ainda não conheço, mas está nos planos. Conta mais!! =)

Maurício Moraes disse...

Paris, Je t'aime!! ;-) texto muito ilustrativo, Marília!! Agora com ainda mais vontade de sair perambulando por ai!! Bjao e ate logo mais

Luiz Alvaro disse...

Conheço muito pouco de Paris, passei apenas 4 dias aí mas a cidade realmente fascina e inspira.

Aliás, seu texto também é assim. Repleto de informações históricas, crítica política e exaltação; tanto da sua musa Paris quanto da sua cidade mater, São Paulo.

Descubra outros detalhes da sua Paris, se reinvente e depois volte e tente inventar uma São Paulo um pouco mais Levy.

Adorei!

Lay Rosa disse...

Concordo plenamente..mesmo sem ter ido a Paris!..moro em Brasilia e tudo aq gira em torno de status e modinhas...as pessoas não sabem viver! são alienadas!